Thursday 12 May 2016

Betha Pickles

Betha aka Betha Pickles was a transgender person Jaime Ponciano befriended circa 1981 while there was an upsurge of cultural activities in downtown São Paulo, especially at Bela Vista (aka Bixiga) during the so-called 'democratic overture' (abertura democratica) started by General Geisel and continued by General Joao Figueiredo - 4th and 5th generals to occupy the Presidency in a military dictatorship that started in April 1964.  

1978-1979 saw a few changes in social behaviour in the big cities even though the Dictatorship was officially on. Black liberation groups came into existence; women's liberation groups popped up here and there... and an embryonic homosexual group called 'Somos' began to make its voice heard in Sao Paulo and Rio de Janeiro. 

By 1981 Somos had rented a space on the 1st floor of a commercial building on Rua da Abolição, 246, where young gays and lesbians could do their thing and meet new friends. Jaime Silva and a lot of other young hopefuls used to hang around what was called 'sede' (Somos' seat) and sometimes would even sleep overnight in case they had missed their last buses home in the suburbs. That's when Jaime met Betha Pickles and started a friendship that lasted a few years until Betha 'disappeared' from view. 

Nobody is really sure whatever happened to Betha Pickles but there was a story going around in the 1990s that she had been run over by a bus trying to cross a busy street while in a daze... a purely accidental death. No one knows when that actually happened but it must have been before the 1980s were out. Here's an article written by Suzete de Almeida, published circa 1983 in a show-business magazine I could not identify. 


BETHA PICKLES, A CONSERVADA

Patrocinada pela Secretaria da Educação, Betha Pickles (née José Carlos de Souza Neves nascido em 1952, em Garça-SP) é a estrela do primeiro documentário sério sobre travestis feito no Brasil. Assumidíssima desde os 14 anos, divertida e sem barreiras, Betha fala de sua vida e de como foi parar no cinema. 

Por que Betha Pickles? 

'Ah, meu bem, porque é conservada em álcool, e fumem durante o espetáculo que ela quer é pegar fogo'.

Irreverente, engraçada e livre, eis como pode ser definida Betha, 28 anos, travesti assumidíssimo e sensível. Camiseta e jeans, seios de 'ninfeta' e rabo-de-cavalo, ela chega a ser desconsertante. Sem qualquer tipo de barreiras, inadvertidamente, ela pode soltar a voz em meio a uma conversa e 'brindar' seus surpresos ouvintes com os acordes de 'Summertime'  (George Gershwin) ou 'Anjo vadio' (Olivia Byington-Geraldo Carneiro), e de-lhe aplausos. 

Já aos cinco anos de idade, o menino José Carlos de Souza Neves percebia sua sexualidade 'diferente'. Quando, aos 14 (em 1966), ele a assumiu de vez, a repressão veio forte, principalmente por parte do pai. Por essa época, Betha desenvolveu seu amor pela literatura refugiando-se em Stendhal (1783-1842), Émile Zola (1840-1902) e Fyodor Dostoyevsky (1821-1881), identificando-se com personagens cuja visão ia além da proclamada normalidade. 

Mais tarde iniciou um curso de cinema na Universidade de São Paulo que abandonou, preferindo ir morar com pescadores, na Ilha de Itaparica, na Bahia.

Essa horrível falsa moral 

Cruzando e descruzando as pernas, cheia de maneirismos, Betha fica furiosíssima ao falar da moral vigente: 'Como ser humano quero ser respeitado. Penso que respeitar a sexualidade da outra pessoa é um ato de conhecimento. O machismo já cansou e os valores agora são outros. A sexualidade não está mais no plano da década passada, porque o sexo está numa linha mais existencial. O problema que as pessoas não entendem é o encontro do ser consigo mesmo. Tenho que te entender, te amar, mas antes tenho que me encontrar. Gostou, queridinha? É um diálogo meu'.

A barra de ser aceito socialmente é uma realidade que Betha assume, porém o assunto é muito mais complexo segundo ela. 'A transação de viração ou trottoir é um problema sócio-econômico e cultural. Se houver mercado de trabalho para o travesti viver, nenhum vai p'ra esquina. Veja você, eu sou formado em inglês, agora, me diga, qual escola vai me admitir? O sistema vive de aparências, meu bem'. 

Da banda para as telas, questão de talento 

Ainda no primeiro semestre deste ano, será lançado no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, o filme que Betha Pickles protagoniza. 

Produzido pela Secretaria de Educação, com fotografia e direção de Olívio Tavares de Araújo, é o primeiro documentário sério em cinema sobre travestis. O filme rodado no Guarujá-SP, aborda fundamentalmente o problema da solidão humana no dia-a-dia de um travesti.

Betha lembra como foi sua 'descoberta' para ator central dessa produção. Durante um show de Arrigo Barbané e sua Banda Sabor de Veneno faltou um dos participantes. Betha, que já havia trabalhado em teatro, inclusive com Zé Celso Martinez Corrêa, improvisou um 'happening' e entrou com tudo, desbundando na ultima cena do espetáculo. Olívio Tavares, presente no local, quis conhecê-lo e daí para o filme foi um passo.

Solidão... solidão, Betha fala de cátedra desse assunto e termina o papo meio irônica, meio séria, pedindo licença para dizer uma de suas falas prediletas: 'Quando você chegou, junto com você veio a ilusão e com a ilusão, o erro de eu achar que não estava mais sozinho'. Aplaudam dos bastidores. 

It goes without saying José Carlos de Souza Neves chose Betha as his 'nom de guerre' as a tribute to singer Maria Bethania. Both share a similar shaped nose. 

As diferenças... Betha Pickles, a conservada em álcool!

written by Arrigo Barnabé
originally published by monthly 'Piauí' in 28 May 2012.

Tive um amigo, que conheci durante o curso ginasial, Carlinhos. Quando viemos estudar em São Paulo, o Carlinhos teve coragem de assumir que era gay. E radicalizou na maneira de vestir e se comportar. Passou a se maquiar, e se descobriu como mulher, aprisionada em corpo masculino.

Ai inventou de tomar hormônio! Lembro de discutir com ele por causa disso, achava que fazia mal, era perigoso... Apesar disso, algumas vezes, acabei eu mesmo aplicando as injeções nele, por medo que se machucasse ao se auto-injetar. Não chegou a aplicar silicone, mas o hormônio desenvolveu seios, cintura etc. chegando a ficar com uma aparência bem feminina. 

Quer dizer, uma aparência completamente feminina: ele saia vestido de mulher, sem a menor desconfiança. Parecia bastante com a Maria Bethania, dai seu nome de guerra: Betha Pickles. E ele acrescentava: Betha Pickles, a conservada em álcool!!!

Um pouco depois surgiu o Ney Matogrosso com Secos & Molhados (1973), os Dzi Croquetes, quer dizer, o panorama estava mudando. São Paulo não era mais aquela cidade que, em 1956, tentou linchar o Flavio de Carvalho quando ele desfilou com sua saia pela Praça do Patriarca. Já se sentia alguma diferença.

O Carlinhos era um atormentado, devastado por suas paixões não correspondidas, acabou se entregando ao alcoolismo, e dele não tenho mais notícias, provavelmente, desse mundo já partiu. Sempre lembro com muito carinho dele, um companheiro de primeira hora das nossas transgressões, grande ruptura nos anos 1970. Fizemos teatro juntos no ginásio, e tivemos a convivência de ir a brincadeiras dançantes, quando ele, ainda confuso com sua sexualidade, tentava namorar as garotas, jogar futebol, briga, cuspir no chão, posar de macho alfa.

Lembro de algumas músicas: 'Twist and shout', com The Beatles, o Carlinhos me mostrou logo que nos conhecemos, na sala de minha casa em Londrina, em plenos 14 anos, dançando o twist, quase em transe, me deixando desconcertado.

Ele gostava muito da 'Ave Maria' de Schubert, e, numa apresentação no grêmio da escola, declamou um poema sobre as mães, com o José Dirceu Bernardino, que tocava acordeon muito bem fazendo o fundo musical. 

Janis Joplin cantando 'Summertime'. Lembro dele me mostrando, na sala da casa dele, entusiasmadíssimo, falando da longa introdução com guitarras, e da capa do LP do Robert Crumb

E como ele gostava de cantar 'Tu me acostumbraste', que o Caetano Veloso havia gravado em 'Araçá azul' (1973), e com o qual ele se identificava muito. Meu Deus, quanto ouvimos ele cantando isso...

E o momento de apoteose dele em Londrina-PR, quando durante um show feito pelos músicos locais 'A Boca do Bode', ele entrava desfilando, travestidíssimo enquanto o Robinson Borba apresentava 'Babynete'. Havia um momento da canção em que o Robinson discursava:

'Após breve temporada por Paris, Montevideo e New York... eis-a de volta, linda e maravilhosa como quarenta anos atrás... Suas lantejolas brilham! Seus paetês ofuscam! Vamos crianças, não tenham medo... Aproximem-se! Aproximem-se! '

E o Carlinhos entrava, divino e maravilhoso. E continua divino e maravilhoso em nossa memória, Carlinhos, Zé Bita, Betha Pickles, José Carlos de Souza Neves, difícil e doce amigo. 

Arrigo Barnabé
originally published by monthly 'Piauí' in its column 'Questões Musicais' on 28 May 2012.

This work depicts Drew Friedman's old friend (and favourite artist) Robert Crumb presenting his original 'Cheap Thrills' comic-strip album cover art to Janis Joplin.

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